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Desde longa data, a pesca faz parte da vida de milhões de brasileiros. Diversos são os grupos de pessoas que praticam a pesca para alimentação, comercialização ou simplesmente por prazer.
Nas últimas décadas, em muitas partes do Brasil tem aumentado de forma assustadora o número de conflitos pelo uso e comércio dos recursos pesqueiros, principalmente pelo crescimento da pesca comercial e pela introdução da pesca esportiva em áreas onde anteriormente só se praticava a pesca de subsistência.
Conforme sabemos, a pesca de subsistência é aquela praticada por povos indígenas e por comunidades tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, caiçaras, etc.) com fins de sustento de suas famílias, e que, geralmente, não causam impactos significativos sobre a ictiofauna.
Em muitos locais a pesca descontrolada tem gerado conflitos violentos entre os pescadores comerciais, as comunidades locais e os órgãos ambientais. Por isso, na tentativa de resolver tais problemas surgiram a partir dos anos 70 várias iniciativas informais para regulamentar a pesca. Assim, nasceram os primeiros “Acordos de Pesca”, como uma maneira democrática de lidar com os conflitos e reduzir a pressão sobre os recursos pesqueiros.
No início os “Acordos de Pesca” eram realizados por lideranças das próprias comunidades, sem a necessidade de serem regulamentados ou legalizados.
Em 1997, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) passou a considerar a possibilidade de legalizar os “Acordos de Pesca”.
Alguns anos depois, em 2003, o IBAMA publicou a Instrução Normativa n. 29, reconhecendo o “Acordo de Pesca” como um instrumento de ordenamento pesqueiro e estabelecendo critérios para sua regulamentação.
Dessa forma, podemos definir que os “Acordos de Pesca” "são normas criadas pelas comunidades, com auxílio dos órgãos ambientais e de fiscalização, com intuito de regular a pesca numa certa área em conformidade com os interesses da comunidade local e com objetivo de conservar os estoques pesqueiros".
De acordo com a Instrução Normativa n. 29, para que o IBAMA aprove um “Acordo de Pesca” ele deve: (1) representar os interesses da coletividade, ou seja, do grupo de pessoas (pescadores comerciais, de subsistência, ribeirinhos etc.) que pescam na área do Acordo; (2) manter a exploração sustentável dos recursos pesqueiros e, assim, valorizar a atividade de pesca e o pescador; (3) ter condições operacionais, prioritariamente em termos de fiscalização, ou seja, não é viável a instituição de regras que não podem ser cumpridas, nem fiscalizadas; e (4) ser regulamentados por meio da publicação de Portarias do IBAMA, ou de Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMA).
Os “Acordos de Pesca” podem incluir vários instrumentos de controle da pesca, entre os quais: (1) a proibição ou limitação do uso de aparelhos de pesca, como malhadeira, lanterna de carbureto, tamanho de malhas etc., além de práticas que possam prejudicar o meio ambiente; (2) proibição da pesca na "piracema" (também conhecida como “defeso”), que são aqueles períodos do ano em que se reproduzem determinadas espécies, como tambaqui, pacu, curimatã, branquinha, aracu, piratinga e mapará; (3) podem limitar a quantidade de pescado que se pode capturar por pescaria; e (4) podem proibir a pesca em áreas onde os peixes se reproduzem para povoar outras áreas (rios, lagos, várzeas etc.), reservando estas áreas para servir de criadouro natural.
Além disso, os “Acordos de Pesca” também podem definir “zonas de pesca”, que podem ser: (a) áreas de preservação total, onde é proibido pescar; (b) áreas de preservação temporária, onde a pesca é permitida apenas durante uma parte do ano; e (c) áreas de conservação, onde a pesca é permitida de acordo com regras delimitadas pela comunidade local.
Vale lembrar ainda que um “Acordo de Pesca” não pode: (1) estabelecer privilégios de um grupo sobre outros, pois um "Acordo de Pesca" deve ter um caráter amplo, beneficiando a todos de modo geral; (2) prejudicar o meio ambiente; (3) incluir a aplicação de multas, penalidades e taxas, por que só quem pode fazer isso são as instituições públicas que atuam na fiscalização, como é o caso do IBAMA; e (4) autorizar medidas que estejam proibidas por Lei.
O que vai garantir o sucesso de um “Acordo de Pesca” é a participação dos membros da comunidade. Uma comunidade bem articulada, que possua membros interessados e atuantes, terá grandes chances de ver o Acordo bem sucedido.
Devemos ter em mente que um “Acordo de Pesca” não se constrói da noite para o dia, por que para que ele se torne uma realidade é preciso que a comunidade converse bastante e chegue a um ponto comum. É preciso ter diálogo, e, se todos concordarem com as normas, certamente será mais fácil colocá-las em prática.
Os “Acordos de Pesca” são uma das experiências mais significativas de manejo dos recursos pesqueiros e, sem dúvida alguma, são um exemplo positivo de gestão participativa, em que a população e os órgãos do governo tomam decisões conjuntas em prol do desenvolvimento sustentável.
Gurupi - TO, Março de 2009.
Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Giovanni Salera Júnior
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